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[ tons abaixo ]

Estive fora todo esse tempo.
Lugar confortável, visão privilegiada
de curvas, uma estrada com pedras,
flores tímidas
e um cachorro desafortunado a cada par de dias.

Tudo caía em mim como um sopro só;
doces e salgados, os insetos mesmos eram,
pese sua monstruosa complexidade,
como o ar por onde rasgavam espaços:
puro fluxo avesso a estruturas.

Tudo caía em mim como só caem
as coisas sem apego aos nomes.
Ali todas eram atraídas pelo branco,
e o cinza e o azul,
consangüíneos nos lugares em que
o cinabrino perdeu gosto: é de vida o grosso de seu tom.

Mais além, abaixo, uma voz esperava.
Pouco se precisava para não ouvi-la,
esperava olhos para gritá-los e cantar com eles
os restos de uma fotografia. Contentei-me em
desenhar moldura.

Olhamo-nos uma última vez,
de novo.
O reflexo andava em meu favor,
aliviava meus lábios do peso do olho.
Com o polegar cobri tudo o que havia,
abri uma garrafa e antes do gole abriram-se as luzes.

– Chegamos. Desce do colo.

By Sandro Brincher

Eu sou aquele que, de fones nos ouvidos, através da janela empoeirada do ônibus, perscruta os paralelepípedos irregulares da calçada de um parque à procura de alguém que tenha, ao resgatar do fundo das algibeiras um maço de cigarros molhados pela chuva que acaba de dar trégua, derrubado um bilhete premiado de loteria.

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