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Cotidiano Textos

Física, Shakespeare e adaptações

Já era levemente estranho que, em pleno “horário do parquinho” [ou seja, hora livre para fazer o que quiser], uma turma de 4º do ensino fundamental [com idades entre 9 e 10 anos] estivesse na biblioteca em um dia ensolarado e quente. Mais estranho ainda o grupo de 4 meninas à mesa, concentradíssimas, com livros de Física do ensino médio. Isso mesmo: Física do ensino médio. Afinei a audição e comecei a perceber o que se passava.
1) Baaaaaah, olha só isso aqui: “O Sol é a fonte primária de energia que garante a existência da vida na Terra”.
2) Ah, eu já sabia disso. Pode ver que todo mundo que não pega sol fica com cara meio de morto.
3) É verdade, fica mesmo.
4) A Física explica muita coisa, né? Mas é muito difícil isso aqui.
2) Imagina tudo que a gente pode aprender até chegar nesse livro. Nem vamos mais precisar dele.
1) Verdade, mas vou continuar lendo. Eu gosto de não entender as coisas [ <3 ]
Na mesa próxima, dua outras meninas discutiam o conteúdo a ser estudado:
– Ah, mas tem que estudar sobre o Stephen Hawkings, né?
– Ih, não sei, mas esse livro aqui tem sabe o quê? S-h-a-k-e-s-p-e-a-r-e. Eu li uma tragédia dele, mas não lembro o nome. Só lembro que gostei demais.
-Mas tu sabe que isso aí não é o texto de verdade né? É uma adaptação. Esse aí tem uma linguagem mais fácil.
Houve um pequeno silêncio, enquanto a outra pensava numa resposta adequada:
– Bom, amiga, mas é o que a gente consegue por enquanto, né? Se um dia a gente vai estudar aquela Física ali e vai saber, duvido que não consiga ler o Shakespeare de verdade.
– Não é “de verdade” que se diz, Fulana, é “no original”. A gente vai ler no original.
– Ai, desculpa, pro-fes-so-ra…
E ambas saíram dali rindo.