Estamos
a viver um ressurgimento do interesse pelo vegetarianismo como nunca
antes no passado. Mas contrariamente a outras épocas, em que
os defensores da alimentação vegetariana eram homens maduros,
com experiência no âmbito da filosofia ou da ciência,
hoje são os jovens que, com mais entusiasmo, procuram um estilo
de vida mais simples e natural.A seguir exporemos os motivos por que
uma pessoa pode decidir ser vegetariana.
Motivos de saúde
Até à década de setenta, os especialistas em nutrição
estavam mais preocupados em cobrir as carências alimentares e
em conseguir que se consumissem calorias suficientes, do que com a qualidade
dos alimentos. Foi na primeira metade do nosso século que surgiu
e se afirmou o "mito" das proteínas: Tinham de se consumir
proteínas suficientes (mais do que as realmente necessárias),
e a melhor forma para isso era recorrer aos produtos cárneos.Mas
nos últimos anos, os investigadores e especialistas em nutrição
provaram que é mais importante a qualidade dos alimentos, do
que a quantidade; que as necessidades de proteínas são
menores do que se pensava; e que o problema da nutrição
dos países desenvolvidos é precisamente o excessivo consumo
de alimentos de origem animal, de gordura e de açúcar,
e a falta de produtos vegetais (fruta, cereais e hortaliças).
A Associação Dietética Norte-Americana, reconhecida
pela sensatez das suas declarações, emitiu, já
em 1980, a seguinte opinião: "cada vez há mais evidências
científicas que apoiam uma relação positiva entre
a alimentação à base de vegetais e a prevenção
de certas doenças crónicas degenerativas, como a obesidade,
as doenças coronárias, a hipertensão arterial,
a diabetes, o cancro do cólon e outras"1
Doenças cardiovasculares
No interessante relatório publicado recentemente pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), Dieta, nutrição e prevenção
de doenças crónicas, há uma secção
dedicada às doenças cardiovasculares, em que um grupo
internacional de especialistas recorrem às últimas investigações
relacionadas com as vantagens da alimentação à
base de vegetais. Um dos seus parágrafos diz: «Os subgrupos
da população que consomem dietas ricas em alimentos de
origem vegetal apresentam taxas mais baixas de cardiopatia coronária
que a população em geral.»2 Na prestigiosa revista
médica Lancet veio publicado recentemente um estudo segundo o
qual em 82% dos doentes de aterosclerose que seguiram uma alimentação
vegetariana baixa em gorduras, além de se absterem de tabaco
e de praticarem exercício físico, verificou-se uma diminuição
dos depósitos de colesterol que estreitam o calibre das artérias
e dificultam a passagem do sangue.3
O colesterol
A alimentação vegetariana estrita não contém
colesterol, já que esta substância só se encontra
nos alimentos de origem animal. Nenhuma fruta, cereal ou hortaliça
contém colesterol. O organismo é capaz de produzir o colesterol
de que necessita, a partir dos ácidos gordos da alimentação.
Mas quando, além disso, se ingerem quantidades significativas
de colesterol com os alimentos, o seu nível no sangue aumenta
perigosamente.Os vegetarianos têm um menor nível de colesterol
no sangue, o que os protege contra a formação de aterosclerose,
enfarte de miocárdio, tromboses cerebrais e outras afecções
cardiocirculatórias.Na Austrália realizou-se um estudo
com o objectivo de comprovar a acção da alimentação
sobre o nível do colesterol. A um grupo de pessoas deu-se a comer,
entre outras coisas, 250 gramas de carne magra por dia, enquanto a outro
grupo se deu a mesma alimentação, apenas substituindo
a carne por proteínas de glúten e de soja. Depois de seis
semanas, os vegetarianos conseguiram baixar o seu nível de colesterol
duas vezes mais do que o grupo que seguiu a dieta de carne magra.4
O cancro
Uma alimentação vegetariana protege contra o cancro,
por várias razões:É rica em substâncias protectoras
contra o cancro, que só se encontram nos alimentos vegetais:
caroteno ou provitamina A (na cenoura, pimento e outras hortaliças
coloridas), enzimas que inactivam o cancerígeno benzopireno (nas
couves e na alface),5 inibidores das proteases (nas leguminosas) e antioxidantes
(vitamina C). Contêm fibra vegetal em abundância, cuja falta
aumenta o risco de cancro de cólon. A carne não contém
nada de fibra vegetal (celulose). A fibra absorve e arrasta as substâncias
cancerígenas que possa haver no intestino e faz o mesmo com o
colesterol e com os sais biliares.6 Normalmente os vegetarianos consomem
muito menos gordura que os não vegetarianos. Além disso,
as gorduras vegetais geralmente contêm ácidos gordos mono
ou polinsaturados, de acção protectora contra o cancro
e benéficos para a saúde. Está demonstrado que
quanto mais aumenta o consumo de gordura animal, maior é a mortalidade
por cancro da mama.7 A alimentação à base de vegetais
está isenta das substâncias cancerígenas que se
encontram na carne, como o benzopireno, o metilcolantreno, os nitritos
e as hormonas para engorda do gado.
A obesidade
A maior parte dos estudos feitos demonstram que em média os
que se alimentam à base de vegetais pesam entre 4 a 10 quilos
menos do que os que consomem carne habitualmente.8, 9, 10 Segundo o
relatório de um grupo de especialistas da OMS,11 cada vez há
mais provas que demonstram que o excesso de gordura na alimentação
favorece o aumento de peso. Quanto maior é a proporção
de calorias da alimentação que procedam das gorduras,
tanto maior é o risco de obesidade.Estes achados estatísticos
e experimentais, publicados no relatório da OMS, comprovam que
os vegetarianos ingerem uma menor quantidade de gorduras, tanto em termos
absolutos (gramas de gordura diários) como relativos.
A tensão arterial
Segundo refere esse relatório de especialistas da OMS, «os
estudos epidemiológicos indicam sistematicamente que a pressão
arterial entre os vegetarianos é mais baixa que entre os não
vegetarianos (...) Se bem que não seja fácil determinar
a causa precisa destes resultados, esses estudos assinalam que algum
componente dos produtos de origem animal, possivelmente as proteínas
ou as gorduras, pode influir na pressão arterial nas populações
bem alimentadas.»12 O dito relatório recomenda, como forma
de evitar tanto a hipertensão como a obesidade, seguir uma alimentação
baixa em gorduras e com um conteúdo elevado em hidratos de carbono
complexos (por exemplo: cereais integrais), reduzir ao mínimo
a ingestão de álcool e reduzir o consumo de sal.
Diabetes
Quem não come carne tem um risco menor de sofrer de diabetes.
E mais, há estudos que sugerem que o consumo habitual e abundante
de carne poderia estar relacionado com a causa da diabetes. Por isso,
havia que rever todas as dietas para diabéticos, nas quais costuma
estar sempre presente o típico bife grelhado. Poderia muito bem
estar a acontecer que se recomendasse aos diabéticos que co-messem
justamente aquilo que lhes causa ou agrava a sua doença.
A osteoporose
As mulheres ovo-lacteo-vegetarianas sofrem com menor frequência
de osteoporose do que as que comem carne habitualmente.13 A osteoporose
converteu-se, ultimamente, numa das doenças que mais preocupam
as mulheres depois da menopausa. Consiste numa perda de massa e de consistência
óssea, que as torna mais susceptíveis a fracturas e deformações.
Os investigadores ainda não descobriram porque é que as
mulheres que seguem uma alimentação ovo-lacteo-vegetariana
sofrem menos de osteoporose do que as que comem carne, pois em ambas
as dietas o consumo de cálcio é similar. Mas pensa-se
que, devido a um mecanismo ainda pouco conhecido, o consumo elevado
de proteínas na alimentação à base de carne
faz com que o organismo elimine mais cálcio com a urina.14
A resistência física
É um facto conhecido que a resistência física dos
atletas vegetarianos à fadiga é superior à dos
que têm uma alimentação cárnea. Os que comem
muita carne têm mais "força de arranque" para
conseguir um esforço máximo num curto espaço de
tempo; mas cansam-se primeiro. Este é o caso dos levantadores
de pesos, que geralmente têm uma alimentação hiperproteíca,
com muita carne: São capazes de desenvolver uma força
extraordinária num dado momento, mas carecem de resistência.Investigadores
suecos realizaram uma prova de resistência com atletas bem treinados,
fazendo-os pedalar uma bicicleta estática. Depois de seguirem
durante três dias uma dieta rica em produtos animais, com muitas
proteínas e gorduras, conseguiram um tempo máximo a pedalar,
sem parar, de 57 minutos (tempo médio). Durante os três
dias seguintes alimentaram--se com uma dieta mista (carne, ovos, leite,
batatas, verduras e fruta), e a média do seu tempo subiu para
os 114 minutos. Mas depois de seguirem uma dieta vegetariana, rica em
cereais integrais e frutos secos, bem como fruta, legumes e outras hortaliças,
conseguiram uma média de 167 minutos a pedalar sem se deterem.15
Motivos éticos
Há pessoas que se convenceram que devem alimentar-se à
base de vegetais (fruta, cereais, verduras e hortaliças), por
razões éticas. Evi- dentemente que estas não se
podem medir nem analisar por critérios científicos e cada
um é livre de as assumir ou não. Neste campo, todos devemos
exercer uma grande dose de tolerância – de que a humanidade
está tão necessitada actualmente –, respeitando
as opiniões e crenças dos outros.
O respeito pela vida
O respeito pela vida dos animais, como razão para não
comer carne, é uma ideia muito antiga. As religiões orientais,
como o budismo, mostram uma grande bondade e compaixão pelos
animais, embora haja quem o relacione mais com a doutrina da reencarnação
das almas (qualquer animal pode estar habitado por uma alma humana),
do que com um respeito pelo animal em si mesmo. Em qualquer caso, o
certo é que são muitos os povos do Oriente que há
muito evitam matar os animais para se alimentarem. Também na
Grécia e Roma clássicas se desenvolveu esta ideia: Pitágoras,
Porfírio e Ovídio, entre outros, pensavam que matar os
animais para comer, contamina e brutaliza o espírito humano.
«Quando poreis fim a essas execráveis matanças?»,
perguntava o filósofo grego Empédocles, no século
V a.C.16 Ao longo da história foram muitos os artistas, filósofos
e cientistas que partilharam estes sentimentos para com os animais.
Leonardo da Vinci, Gandhi, Edison, Bernard Shaw, Rabindranath Tagore
e Tolstoi eram vegetarianos.17 Basta ver como se afeiçoa uma
criança a um galito ou a qualquer animal doméstico, para
nos darmos conta de que o sacrifício de um animal para o comermos
é algo contrário à natureza humana.
Criados para sofrer
Mas não só o facto de se matarem os animais suscitou
advertências morais em diversos povos e pessoas. A forma cruel
e sem consideração em que a miúdo são criados,
transportados e sacrificados, desperta o repúdio de muitos. A
revista profissional El Medico dizia num artigo dedicado às modernas
técnicas de produção animal: «A vida numa
empresa de criação é a seguinte: as vitelas recém-nascidas
são separadas da mãe. São alimentadas com leite
desnatado e passam os poucos meses da sua vida, sem movimento, em estábulos
a uma temperatura de 37 graus centígrados. Desta maneira, bebem
mais do que o faria um animal normal, (...) e, além disso, comem
um puré de proteínas que desenvolve mais rapidamente a
apreciada carne branca. O objectivo da sua existência –
o matadouro – é alcançado quando estão cheias
de antibióticos como medida preventiva, de bloqueadores beta
contra o risco permanente de enfarte e de sedativos contra o stress.»18
O respeito pela própria vida
Os motivos éticos para a abstenção da carne também
se podem apresentar sob outro aspecto, para além do respeito
pelos animais: o do respeito pelo próprio corpo da pessoa. Hoje
são muitos, em todo o mundo, os que, tanto com base religiosa
como sem ela, aplicam esses mesmos princípios éticos de
vida saudável e de respeito pelo seu próprio corpo.
Motivos ecológicos e económicos
A criação de animais para serem utilizados como alimento,
é um luxo, um autêntico esbanjamento em termos económicos.
Se as grandes quantidades de cereais e leguminosas que se usam como
rações, bem como de terreno e água, que se usam
para engordar os animais de quinta, fossem utilizados para consumo humano,
poder-se-ia acabar facilmente com a fome no mundo. Por cada 5000 calorias
em forma de milho (1,4 quilos) que se investem dando de comer a uma
vaca, só se recuperam 200 calorias em forma de carne (130 gramas).
Com 1,4 quilos de milho podia alimentar-se um habitante do terceiro
mundo durante vários dias, mas 130 gramas de carne apenas dão
para um único bife à mesa de um ocidental. A produção
de carne requer investir grandes quantidades de grão, só
para poder alimentar o gado.Se se plantarem 100 metros quadrados de
soja, obter-se-ão uns 5 quilos de proteína, com os que
se poderiam cobrir as necessidades proteicas de 70 pessoas durante um
dia. Mas se esses 5 quilos de proteínas forem empregues para
alimentar o gado, obter--se-á unicamente meio quilo de carne
bovina, com o que se poderá cobrir escassamente as necessidades
proteicas diárias de apenas 2 pessoas.
Solidariedade contra a fome
Há cidadãos sensíveis aos desequilíbrios
nutricionais dos habitantes do nosso planeta, que encontram nestes dados
uma razão importante para deixar de consumir alimentos animais.
Os países pobres da terra vêem-se obrigados a vender aos
ricos, para estes alimentarem o gado, o grão e a soja de que,
na realidade, necessitam para dar de comer aos seus próprios
habitantes. A solidariedade, a que tanto se recorre para combater a
fome no mundo, poderia ser posta em prática simplesmente destinando
à alimentação humana os milhares de toneladas de
cereais e de soja que se empregam para fabricar rações
para o gado. Isto requereria que os habitantes dos países ricos
reduzissem o seu consumo de carne (o que, além disso, melhoraria
a sua saúde), e aumentassem o de cereais e leguminosas. E se
se prescindisse totalmente do consumo de carne, não aconteceria
nenhum problema do ponto de vista nutricional, pois está mais
que provado e aceite por todos os especialistas, que a carne não
é um componente imprescindível da alimentação
humana.Não se trata de nenhuma utopia: A qualidade nutritiva
das proteínas da soja é igual ou superior à da
carne; e os produtos à base de soja e cereais podem ser muito
atraentes e saborosos, tal como o podemos ver nas casas especializadas
em dietética.
A cesta das compras
As razões económicas também podem ser importantes
a nível individual. Comparando os princípios nutritivos,
a carne acaba por ser mais cara que os legumes, os cereais ou as batatas.
Num estudo realizado em 1990, nos Estados Unidos, calculou-se que uma
alimentação baixa em gorduras saturadas e em colesterol,
com pouca carne e poucos produtos lácteos gordos (completos),
ficava ao consumidor a 230 dólares anuais.19 De maneira que a
alimentação vegetariana não só é
mais saudável, mas também é mais barata...
Jorge D. Pamblona Roger *
* Médico e autor de várias obras sobre cuidados de saúde,
entre as quais a enciclopédia ‘A Saúde Pelas Plantas
Medicinais’ à vossa disposição nesta Publicadora.
Fonte: http://www.saudelar.com/edicoes/2000/setembro/principal.asp?send=nutricao.htm