Categories
Textos

Num dia de verão até bem alegre

Sempre ouvi vozes; constantes, sutis, e em uma língua que desconhecia. Num dia de verão até bem alegre, entrei em uma empresa de comércio exterior, ou foi de advocacia, não lembro mais, e folheei a gramática de uma língua estranha. Coincidia ser a das vozes que ouvi todos os dias de minha vida. Imediatamente, entendi-as: descreviam, com detalhamento e precisão, a verdadeira técnica de voar. Deixei cair o livro, fui à janela, olhei para fora e senti um calor enorme, meio que um poder. Abri os braços, mirei o horizonte e mergulhei. O vento batia em meu rosto, uma leveza muita, meu sorriso me cobria inteiro. As pessoas ficaram espantadas: como, num dia de verão assim, até bem alegre, não se deixa sequer uma nota?

By Sandro Brincher

Eu sou aquele que, de fones nos ouvidos, através da janela empoeirada do ônibus, perscruta os paralelepípedos irregulares da calçada de um parque à procura de alguém que tenha, ao resgatar do fundo das algibeiras um maço de cigarros molhados pela chuva que acaba de dar trégua, derrubado um bilhete premiado de loteria.

Leave a Reply

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.